segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

ELEITA PRIMEIRA EQUIPE DO MECANISMO DE COMBATE À TORTURA NO RIO DE JANEIRO


Em sessão aberta ao público, o Comitê Estadual de Prevenção e Combate à Tortura do Rio de Janeiro elegeu, nesta quinta-feira (9), a primeira equipe do Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à Tortura do Rio de Janeiro. Os seis integrantes terão como objetivo visitar locais de detenção, elaborar relatórios e encaminhar sugestões aos diretores e órgãos responsáveis pela custódia de presos. Com um pequeno mas decisivo detalhe: as visitas podem acontecer sem aviso prévio.
Comitê e Mecanismo são grandes avanços para a luta pelos Direitos Humanos no país, e é bastante simbólico que o primeiro estado a implementá-los seja o Rio de Janeiro. Por duas razões fundamentais: 1) trata-se do estado com um dos maiores índices de violações dos direitos dos presos; 2) é onde atua o deputado estadual Marcelo Freixo, autor do projeto de lei que instituiu esses organismos.
Segundo o Departamento Penitenciário Nacional, em 2009 o Brasil tinha 473 mil presos, sendo que aproximadamente a terça parte em condições de superlotação. Em diversos lugares do país houve violações gritantes, como em Rondônia, na penitenciária de Urso Branco, onde uma rebelião deixou 27 mortos e uma condenação ao Estado brasileiro. No Espírito Santo o governo chegou a prender pessoas em contêineres e, no nosso Rio de Janeiro, quem não se lembra da calamidade que levou ao fechamento da Polinter, em 2006, onde 1.618 detentos dividiam um espaço projetado para apenas 400? Ou então, no ano passado, da situação da carceragem de Neves, onde os presos sofriam, além da superlotação, com um calor de 56,7 graus centígrados?
Em lugares como Urso Branco, containeres no Espírito Santo e locais de detenção do Rio vivem seres humanos abandonados à própria sorte. O Estado simplesmente deu às costas, empresas privadas lucram com quentinhas superfaturadas e a maior parte da sociedade, em grande parte induzida pelos meios de comunicação de massa, defende mais punição e sofrimento para quem já está pagando pelos erros cometidos.

Trancafiar alguém numa cela, muitas vezes em condições degradantes, em meio a ratos, alimentação precária, sem acesso a cuidados básicos de saúde, e esse alguém ainda ser vítima de espancamentos, abusos sexuais e outras formas de tratamentos desumanos é um fato que desafia qualquer tentativa de entender a capacidade do ser humano de causar dor a seu semelhante. Porque em muitos casos é isso que acontece: além de o sujeito perder a liberdade de ir e vir, ele ainda é submetido a tortura.
Na perspectiva da sociologia crítica, Loic Wacquant, no livro Punir os Pobres, problematiza a questão: “O encarceramento serve para neutralizar e estocar fisicamente as frações excedentes da classe operária, notadamente os membros despossuídos dos grupos estigmatizados que insistem em se manter ‘em rebelião aberta contra seu ambiente social’”. Ora, se aqueles que estão retidos em unidades de privação de liberdade são o “lixo social”, a parcela da sociedade que não interessa ao sistema dominante, por que esse mesmo sistema haveria de se importar com a integridade física e psicológica dessas pessoas?
O Mecanismo, que vai atuar junto ao Comitê de Prevenção e Combate à Tortura, tem tudo para começar a mudar essa história. Nesse sentido, trata-se de uma poderosa ferramenta não apenas de defesa dos direitos humanos, mas de enfrentamento direto ao sistema capitalista.
E lá no início eu falava do simbolismo de o Rio de Janeiro ser o pioneiro na implementação do sistema de combate a tortura, e estou convencido de que o grande responsável por isso é o deputado estadual Marcelo Freixo. É evidente que existe todo um movimento e várias entidades que trabalham com essa questão. Mas o fato é que Freixo nunca desviou o olhar, o pensamento e o coração das atrocidades cometidas contra quem está preso. Poucas vezes vi alguém tão determinado a alcançar um objetivo quanto Freixo, que entrou pela primeira vez num presídio aos 16 anos para jogar futebol sem saber que futuramente conheceria todo o sistema prisional do estado. (leia aqui entrevista onde ele conta essa e outras histórias).
A aprovação da lei que institui Comitê e Mecanismo fecha um ciclo, mas abre outro, na medida em que suas atribuições não serão facilmente cumpridas. Não por incompetência dos atores envolvidos, mas muito pelo contrário. Em face do alto nível dos envolvidos, tenho certeza que haverá resistências de toda parte. Todos os que lucram com a miséria, com a violência, com a tortura – sim, eles existem – vão bater de frente com os membros do Comitê e do Mecanismo.
PS – Quero agradecer de público aos elogios feitos ao trabalho deste jornalista na área dos Direitos Humanos durante a sessão (também pública, mas quase invisível devido ao desinteresse das corporações de mídia) que instituiu o Mecanismo, especialmente ao subprocurador geral de Justiça do Ministério Público do Rio de Janeiro, Leonardo Chaves; à representante do Conselho Regional de Serviço Social do Rio de Janeiro, cujo nome infelizmente não tenho à mão; e, finalmente, ao deputado estadual Marcelo Freixo, que muito me honra com suas palavras.
PS 2 – Fica o aviso: a esquerda não deve confundir “correlação de forças” com “correlação de malandragens”, sob o risco de ser esmagada por suas próprias práticas.

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